Retirado do site do jornal O Estado de S.Paulo, publicado na coluna opinião em 02/12/2012. Para acessar a página original clique no link abaixo.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,empresa-nao-vota-,968081,0.htm
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra
Cármen Lúcia, considera necessário que se proíbam as doações eleitorais
feitas por empresas. A lógica é simples: "Pessoa jurídica não é cidadão e
não vota. Não há por que empresa fazer financiamento de campanhas",
disse a ministra ao Estado. Partidos políticos são entidades privadas de
direito público, que precisam ser financiadas não pelo Estado ou por
grandes corporações, mas pelo eleitor que os escolhe para representá-lo.
As doações feitas por empresas têm pelo menos dois inconvenientes: elas
não são transparentes e dão margem a supor que essas empresas, cujo
objetivo é lucrar, terão algum tipo de benefício caso seus candidatos
sejam eleitos.
Dos dez maiores doadores privados para a campanha de candidatos a
prefeito e vereador na última eleição, seis eram empreiteiras. Boa parte
dos recursos que essas empresas doaram foi entregue diretamente à
direção dos partidos, que então fizeram o repasse aos candidatos sem
identificar a origem, configurando a chamada "doação oculta". Nas contas
de campanha, então, apareceram somente os recursos que foram
encaminhados pelo partido aos candidatos, omitindo as pessoas jurídicas.
Permitida pelas normais eleitorais, essa manobra faz constar das contas
dos candidatos somente os recursos entregues pelo partido. Assim,
embora o partido seja obrigado a divulgar de quais empresas recebeu
doações, os verdadeiros doadores não ficam vinculados diretamente aos
candidatos.
Na eleição em São Paulo, essa modalidade de contribuição chegou a 90%
dos R$ 42 milhões arrecadados pelo PT e a 82% dos R$ 34 milhões obtidos
pelo PSDB. Tais números indicam a dependência cada vez maior que as
campanhas das grandes legendas desenvolveram em relação ao dinheiro
desembolsado por empresas, cujo interesse no resultado da votação não
tem nada de cívico. Disputar uma eleição, de fato, é caro; no entanto,
isso não significa que se possa turvar o processo de arrecadação de
recursos, dando margem à suspeita de que haverá traficância de
interesses. Convém lembrar que a maior fonte de receita das empreiteiras
que lideraram as doações nas campanhas municipais Brasil afora está
justamente nos contratos com o setor público.
A legislação prevê ainda outras formas de financiamento de partidos.
Uma delas é a propaganda eleitoral "gratuita", bancada com dinheiro
público, por meio da compensação fiscal dada às emissoras de rádio e TV
obrigadas a transmiti-la. Outra é o Fundo Partidário, formado com
recursos públicos - principalmente dotações orçamentárias da União.
Neste ano, foram liberados R$ 286,2 milhões, bolo que foi dividido entre
todos os partidos, mesmo entre aqueles que acabaram de ser formados -
muitos dos quais nanicos que, por força da lei, fazem jus a nacos desse
fundo e de preciosos minutos na TV. Há casos, porém, em que os novos
partidos já nascem com grande número de parlamentares, mas que, sem
terem sido ainda "testados" nas urnas para que se saiba qual é seu real
tamanho, recebem um grande volume de recursos. É o caso do PSD do
prefeito Gilberto Kassab, que, com seus 49 deputados e 2 senadores
cooptados de outros partidos, obteve R$ 7 milhões do Fundo Partidário.
Para acabar com esse tipo de distorção, um projeto de lei em tramitação
na Câmara suspende a participação desses novos partidos no Fundo
Partidário e no rateio do tempo de TV até que enfrentem alguma eleição
parlamentar. Como toda proposta de reforma político-partidária, essa
iniciativa deverá enfrentar grande resistência no Congresso.
Diante de mecanismos de financiamento eleitoral tão viciados, o
correto é incentivar as doações de pessoas físicas, modelo tido pelos
especialistas como o mais adequado, mas que no Brasil ainda é
insignificante. Além de consolidar a ligação entre o partido e seus
eleitores, esse sistema facilita a fiscalização e impõe limites para a
doação, evitando assim que grandes empresários façam doações milionárias
como pessoas físicas. O problema é conseguir convencer os eleitores
comuns de que seu dinheiro é necessário para ajudar a sanear um sistema
político em franco descrédito como o nosso.