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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Poesia: A Procura da Poesia

Carlos Drummond de Andrade

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.


Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.


Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.


O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.


Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.


Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.


Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.


Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?


Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Poesia: Ferreira Gullar

Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,

moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa

me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa

por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa

por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Tecendo a manhã

João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que amanhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.


E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã)que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão. 

domingo, 1 de abril de 2012

Poesia: Aquí

«La vida en la tierra sale bastante barata.

Por los sueños, por ejemplo, no se paga ni un céntimo.

Por las ilusiones, sólo cuando se pierden.

Por poseer un cuerpo se paga con el cuerpo».
W. SZYMBORSKA, Aquí

sábado, 17 de setembro de 2011

Poesia: Vinicius de Moraes

O riso

Aquele riso foi o canto célebre
Da primeira estrela, em vão.
Milagre de primavera intacta
No sepulcro de neve
Rosa aberta ao vento, breve
Muito breve...

Não, aquele riso foi o canto célebre
Alta melodia imóvel
Gorjeio de fonte núbil
Apenas brotada, na treva...
Fonte de lábios (hora
Extremamente mágica do silêncio das aves).

Oh, música entre pétalas
Não afugentes meu amor!
Mistério maior é o sono
Se de súbito não se ouve o riso na noite.


Poema publicado no livro Poemas, Sonetos e Baladas de 1946 e obtido no site oficial do autor em
 http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/article.php3?id_article=119

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Poesia: Marcos Vinicius

Passarinho

Na minha casa morava um passarinho
Sempre cuidava dele
De noite, brincava comigo.
Quando durmo, ele ronca também
Cedinho voava na casa inteira
Ele é como meu filho.

Nota : o autor tem 8 anos e é aluno do terceiro ano do ensino fundamental.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.


Cecília Meireles.

Bom fim de semana para todos!!!

domingo, 3 de janeiro de 2010

Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.


Carlos Drummond de Andrade

AS SEM-RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Se Eu Fosse um Padre.

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma...
a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!

Mario Quintana.

Bom fim de semana para todos!!!!!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Eça de Queiros

"Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as ações - mesmo as boas."
Eça de Queiros
"... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!
Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa; há prematuramente, no calor e na luz, uma certa tranqüilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de leve; o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada; respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora. Veio-lhe uma alegria: sentia-se ligeira, tinha dormido a noite de um sono são, contínuo, e todas as agitações, as impaciências dos dias passados pareciam ter-se dissipado naquele repouso. Foi-se ver ao espelho"
Eça de Queiros , do livro O Primo Basílio
Bom fim de semana para todos!!!!!!

sábado, 14 de novembro de 2009

Que é - Simpatia

Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que m'inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!

Casimiro de Abreu

Bom fim de semana para todos!!!!!