quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Os efeitos nocivos das drogas para o cérebro em crianças

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Publicado originalmente no site do jornal O Globo, em 10/11/2016. Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/os-efeitos-nocivos-das-drogas-para-cerebro-em-criancas-18002325#ixzz3rAr7yJQV 

Andrew Francesco era uma criança levada, atlética e alegre, mas também dava trabalho. Quando ele tinha 5 anos, um psiquiatra receitou Ritalina para ele. À medida em que foi crescendo, passou a atrapalhar as aulas e foi ingerindo um número cada vez maior de potentes medicamentos antipsicóticos, entre outros.
Os remédios pararam de funcionar, então mais foram prescritos. Empurrado de escola para escola, Andrew foi ficando frustrado, infeliz e, por vezes, assustador. Seus pais esconderam as facas de cozinha. Então sua mãe morreu, aos 54 anos; e a família acredita que o estresse de criar Andrew tenha sido um fator.
Quando Andrew tinha 15 anos, os medicamentos atingiram sua saúde, e o menino teve uma complicação rara por conta de um deles, o Seroquel. Numa sexta-feira, ele se sentia bem o suficiente para ir para a escola; no domingo, ele estava com morte cerebral.
Essa é a história que Steven Francesco, um executivo de longa data da indústria farmacêutica, conta em “Overmedicated and undertreated”, seu livro de memórias sobre como foi criar Andrew, seu filho. Ele deixa claro que o problema maior — mesmo a partir de seu ponto de vista, como um consultor da indústria — é um setor que, por vezes, coloca o lucro acima do bem-estar das pessoas.
A questão central é: crianças com distúrbios emocionais ou mentais tornaram-se uma mina de ouro para a indústria farmacêutica. Medicamentos psiquiátricos para as crianças representam bilhões de dólares em vendas por ano, e o mercado tem crescido. Entre meados de 1990 e o final dos anos 2000, o número de prescrições de antipsicóticos para crianças subiu cerca de sete vezes.
E agora a indústria está ficando ainda mais voraz, em especial nos Estados Unidos. Ela está fazendo pressão para tornar possível a comercialização de medicamentos com usos não aprovados pelos órgãos reguladores, através de uma cláusula da Primeira Emenda — que, na teoria, impede ao Congresso americano de infringir direitos fundamentais. A aprovação da medida deixaria crianças com problemas de saúde mental, como Andrew, particularmente vulneráveis. Você pode considerar a liberdade de expressão como um direito do cidadão; mas executivos da indústria farmacêutica a consideram como uma ferramenta para comercializar drogas para usos não aprovados.
Dois tribunais já deram pareceres favoráveis às empresas farmacêuticas. Essa é a vitória de uma ideologia que vê corporações como jogadoras virtuosas dotadas de liberdades individuais e órgãos reguladores como luditas não confiáveis. 
“As decisões judiciais recentes podem corroer o processo de aprovação do FDA (órgão regulador de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos), que serve para proteger o público, e ameaçam a saúde pública e a segurança dos pacientes”, adverte a doutora Margaret Hamburg, que era, até recentemente, encarregada do FDA.
Especialistas em saúde mental temem que estas decisões levem a “problemas terríveis por confundirem a ciência com marketing”, afirma o doutor Steven E. Hyman, especialista em psiquiatria na Universidade de Harvard e ex-diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental.
Francesco estima que, atualmente, 80% dos medicamentos psiquiátricos dados para crianças são “off-label”, ou seja, são prescritos para elas, mesmo que seu uso em crianças não esteja recomendado no rótulo. Isso significa que o FDA não aprovou seu uso para essa finalidade. Às vezes, o uso “off-label” faz sentido, mas deve ser feito com cuidado, não apenas como resultado do marketing agressivo das empresas farmacêuticas, simplesmente com o objetivo de aumentar os lucros trimestrais.
“As crianças não são apenas pequenos adultos, porque seus cérebros ainda estão em desenvolvimento”, alerta Hyman.
A indústria farmacêutica tem mostrado, repetidamente, por que “regulação” não deve ser considerada uma palavra feia na política americana:
■ No início de 1960, muitos países permitiram a “droga milagrosa” talidomida para tratar náuseas em mulheres grávidas. Uma médica heróica no FDA, Frances Kelsey, resistiu à pressão da indústria para aprovar a talidomida nos Estados Unidos, evitando assim milhares de defeitos congênitos terríveis, como aqueles que o medicamento causou no exterior.
■ Em meados dos anos 1990, as empresas farmacêuticas argumentaram que os médicos não davam a atenção devida à dor, e, como solução, os fabricantes passaram a fazer um marketing agressivo a favor dos opióides. O comportamento das empresas era muitas vezes criminoso (executivos da empresa que fabricava o OxyContin se declararam culpados de acusações criminais), mas também extremamente rentável. Isso ajudou a causar uma crise de dependência de analgésicos e heroína. Hoje, overdoses matam mais americanos do que armas ou carros
■ Em uma coluna recente, contei como a Johnson & Johnson enganosamente comercializou um medicamento antipsicótico, o Risperdal, ocultando, por exemplo, o fato de que ele pode fazer com que cresçam seios enormes em meninos. A J & J foi pega, admitiu a culpa e pagou mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 7,6 bilhões) em multas e acordos, por outro lado, também ganhou US$ 30 bilhões (R$ 114 bilhões) em vendas do Risperdal. O executivo que supervisionou a campanha de marketing ilegal foi Alex Gorsky, que, em seguida, foi promovido a diretor-executivo da J & J. Se você é uma empresa farmacêutica, o crime às vezes compensa.
É verdade que os produtos farmacêuticos muitas vezes salvam vidas. Eles salvaram a minha vida da malária. Steven Francesco diz que, apesar de uma droga ter matado Andrew, outra parecia ajudá-lo, embora a terapia com um cão ajudasse-o mais. Saúde mental de crianças é, em particular, um assunto complicado, com nuances difíceis, que requer cuidados extras. Pense em carros: eles, também, oferecem um benefício enorme, mas exigem uma regulamentação cuidadosa.
Então, se você concorda com os políticos que bradam contra as regulamentações, ou se você acha que as empresas farmacêuticas devem se aproveitar do direito da liberdade de expressão para vender drogas, então fale com uma família que luta contra a dependência de opiáceos. Ou um pai de um filho da talidomida. Ou consulte a família de Andrew Francesco.



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